Sem dúvidas, Òṣùmàrè é uma das mais belas, complexas e controvertidas divindades do panteão yorùbá (ou será do panteão àjèjì/àjèjè - fon?) cultuadas em nossas terras (Brasil).
Já li, vi e ouvi muitas coisas a respeito deste Imọlẹ̀/Òrìṣà (Divindade Iorubá), inclusive, coisas completamente absurdas, como por exemplo o mesmo ser uma divindade andrógina (seis meses homem e seis meses mulher).
Òṣùmàrè é homem. Divindade masculina (Imọlẹ̀/Òrìṣà Ọkùnrin), e não andrógina como muitos ignorantes sacerdotes declaram. E sua “parte feminina” é representando por sua esposa Ijòkú (Ejòkú) e não por Yewa como muitos acreditam.
A cidade de origem desta divindade, ao certo ninguém sabe afirmar. Embora, muitos afirmem que seja Ilé Ifẹ̀, no estado de Ọ̀ṣun, na Nigéria, onde o mesmo miticamente foi um dos discípulos (àwọn ọmọ ẹ̀kọ́ṣẹ́) de Ọ̀rúnmìlà e também um grande adivinho (bàbáláwo), dentre seus principais clientes estavam Odùduwà (Olófin) e Olókun Sẹ̀níadé (esposa de Odùduwà).
Divindade do arco-íris, do fluxo das águas, do movimento, da transformação e da prosperidade. Rege e é representado pelo arco-íris (denominado “òṣùmàrè” em yorùbá), é a principal das suas representações, a “Grande Serpente” que leva as águas da terra para o céu. Muitos atribuem este ato a uma suposta “escravidão” de Òṣùmàrè por Ṣàngó, mas isso é algo errôneo, na verdade esta é apenas uma das suas delegações, dadas ao mesmo pelo próprio Olódùmarè, o Senhor dos Céus. Òṣùmàrè também está associado as serpentes, principalmente a píton/jibóia (erè/òjòlá) e a tudo que é alongado, como por exemplo o cordão umbilical. Outras associações desta divindade são a lua (òṣùpá), através do arco-íris que se forma em torno da mesma, e os búzios (owó), símbolos de multiplicação e prosperidade/riqueza, muito utilizados em seus ìlẹ̀kẹ̀ e em seus ojúbọ. Como divindade responsável pelo movimento das águas, está associado às águas dos rios, cachoeiras e mares, e principalmente as águas das chuvas, que caem na terra fertilizando a mesma e gerando riquezas aos homens.
Quando Òṣùmàrè veio a Terra (Àiyé/Ilé Ayé) pela primeira vez, foi na forma de uma grande serpente (Ejòńlá), que formou o leito dos rios, por isso que os rios possuem a forma ondulada das serpentes, pois, é uma “consequência” do rastejar de Òṣùmàrè por cima da terra.
Seus principais títulos são: Ejòńlá = Grande Serpente, que faz menção ao arco-íris, considerado pelos iorubás uma grande serpente, Ẹ̀gọ̀ = Sábio, pois quando viveu na Terra era um grande e sábio bàbáláwo, Olómi = Senhor das Águas, pois é o responsável pelo fluxo das mesmas na Terra, Olójò = Senhor da Chuva, é aquele que leva as águas dos rios e mares para o céu, para que as mesmas se tornem a chuva fertilizadora do solo e é também aquele que faz a chuva cessar quando é preciso.
Òṣùmàrè é erroneamente confundido com Ajéṣálúgà, a divindade feminina da riqueza.
É uma divindade que não é muito cultuada (“popular”) pelos iorubás, mas ainda há algumas famílias e sacerdotes em terras iorubás que o cultuam. Seu culto ainda é bem preservado no Benim, na cidade de Kétu, onde é chamado de “Ochumare”. Em Abẹ́òkúta, Òṣùmàrè (que é chamado de Èṣùmàrè) é cultuado como filho de Ọmọlú (divindade feminina), nesta cidade os cultos de Ọmọlú, Búrukú, Òṣùmàrè e Yewa estão bastante relacionados, segundo Bàbá King (Adéṣínà Síkírù Sàlámì). Em Ìbàdàn, o mesmo é representando pelos búzios que cobrem a roupa de Ṣàngó, pois, em Ìbàdàn acreditam que Òṣùmàrè foi um mensageiro de Ṣàngó, segunda a saudosa Ọbabìnrin Ṣàngó Àgbáyé (Olóyè Ọmọkẹ́hìndé Gbàdamọṣí).
Há quem diga que Òṣùmàrè é uma divindade fon/ewe - Àyìɖóhwὲɖó, e não iorubá, mas que foi assimilada pelos iorubás. Mas podemos afirmar que a semelhança no culto destas duas divindades existe, mas que também há muita distinção no culto de uma para outra. Se são ou não a mesma divindade, apenas cultuada por povos diferentes, não temos como afirmar. No Brasil Òṣùmàrè é muito associado e também confundido com a divindade (Vòdún) fon/ewe = Àyìɖóhwὲɖó e com a divindade (Nkisi) kimbundu/kikongo = Hongolo.
Òṣùmàrè é cultuado para que haja transformações, vida longa, prosperidade, riqueza, fertilidade da terra e que os ciclos se renovem plenamente sempre. Òṣùmàrè abençoa todos os seus devotos com saúde (ìlera), vida longa (àìkú), riqueza (ajé), dinheiro (owó), honra (ọlá) e bênçãos geradas pela fertilidade da terra (que se fertiliza com o cair das águas da chuva gerando riquezas ao homem).
Na Nigéria Òṣùmàrè é cultuado tanto no ọjọ́ awo (por sua ligação com Ọ̀rúnmìlà e Olókun), quanto no ọjọ́ jàkúta (por sua ligação com Ṣàngó e Yemọja, segundo algumas famílias).
Os elementos que representam esta divindade através dos seus ojúbọ (locais de adoração/assentamentos) são: àwẹ̀ (pote com água), ejò idẹ (serpentes de bronze/metal), ọ̀kúta odò (pedras de rio), owó (búzios), etc. Um símbolo bastante utilizado para cultuar Òṣùmàrè no Brasil é o Ọ̀pá Òṣùmàrè, uma haste de ferro (lança) com duas serpentes entrelaçadas que fica próximo ao seu ojúbọ.
Suas principais oferendas são: Omi (água), Ọtí ṣẹ̀kẹ̀tẹ́ (bebida fermentada de milho), Ọtí òyìnbó (gim), Oyin (mel), Àgbàdo (milho), Ẹ̀kọ (pudim de milho branco), Ègbo olóyin (milho branco cozido regado com mel), Ẹ̀wà (feijão), Ẹyin (ovos), Èso (frutas), Òdòdó (flores), Pẹ́pẹ́yẹ (pato/marreco), etc.
Suas cores são as sete do arco-íris e também o branco.
É importante ressaltar que essa misteriosa divindade é muito importante para a nossa religiosidade (Ìṣẹ̀ṣe/Ẹ̀sìn Òrìṣà Ìbílẹ̀), para o Mundo em que vivemos e também para nós seres humanos, pois o mesmo é responsável por todos os ciclos da a água, e sem água não há vida, talvez tanto mistério envolto do mesmo seja devido à grande responsabilidade dos seus sacerdotes (Bàbá/Ìyá Olóṣùmàrè) de não transmitirem a qualquer um os fundamentos principais do seu culto, como forma de preservar o segredo.
Espero de forma didática, ter contribuído para o aprendizado desta magnífica e misteriosa divindade que tão erroneamente é cultuada no Brasil.
*Texto publicado (março/2013) por mim em meu antigo website, re-editado e em breve publicado no meu novo website.
Por Hérick Lechinski (Olóṣùmàrè Ejòtọ́lá)
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